A vida vai-nos modificar de alto a baixo na sua forja brutal, dando-nos uma têmpera mais rija e um sabor mais amargo… A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore

Recordar Raul Brandão

Raul Brandão
Raul Brandão

Na data de aniversário de Raul Brandão, um dos maiores e mais profícuos escritores portugueses do primeiro quartel do século XX, recordamos algumas frases marcantes da sua multifacetada obra literária. Estes extractos e dezenas de outras passagens encontram-se reunidos no livro A Pedra e a Nuvem — Um Breviário Brandoniano, organizado pelo escritor e poeta José Manuel de Vasconcelos.
 
Raul Germano Brandão nasceu na Foz do Douro, antiga freguesia do Porto, a 12 de Março de 1867. Descendente de pescadores, escolheu para si o caminho das Letras apesar de ter sido também militar. Talvez por necessidade, deu esse passo em 1891. Tinha então 24 anos quando se matriculou na Escola do Exército. Viria a fazer carreira no Ministério da Guerra. Durante esse período iniciou uma experiência no jornalismo e deu início à publicação dos seus primeiros livros: Impressões e Paisagens (1890), História de um Palhaço (1896), O Padre (1901), A Farsa (1903) e Os Pobres (1906). Em 1896, na sua passagem pelo Regimento de Infantaria 20, em Guimarães, conheceu Maria Angelina de Araújo Abreu com quem viria a casar no ano seguinte. Assentou também residência nos arredores do “berço da nação”. Em 1912 reformou-se do posto de capitão e concentrou-se na sua produção literária. Viajou pelo continente e pelo arquipélago dos Açores. A riqueza das paisagens açorianas inspiraram-lhe uma importante obra, As Ilhas Desconhecidas — Notas e Paisagens (1927). Húmus, escrito em 1917, uma narrativa enigmática e metafísica sem enredo nem personagens, classificado como anti-romance, é a sua obra maior. Faleceu de aneurisma em 5 de Dezembro de 1930, na Rua de São Domingos à Lapa, em Lisboa. Os seus restos mortais foram transladados para Guimarães em 1934. Raul Brandão deixou uma marca indelével na literatura de língua portuguesa, tanto pela profundidade do seu lirismo como pela abordagem metafísica e filosófica presente em muitos dos seus livros. Outra marca importante da sua obra foi o carácter de denúncia e defesa das classes sociais desfavorecidas que, de facto, eram parte integrante das suas raízes.

 

 

A Farsa  (1903)
 

«Para se resistir é necessário viver-se peito a peito com um sonho disforme.»
 
«O ódio não constrói — destrói. É uma força negativa. Cada ser tem a sua atmosfera própria, cada criatura vive rodeada duma auréola de energia.»

 


 

Os Pobres  (1906)
 

«Ando a inventar uma língua nova, que seja como a das fontes e a das árvores, quando desponta Março, para te exprimir o que sinto. Todas as palavras me parecem mirradas e servidas.»
 
«De que precisam os poetas para fazer uma obra de génio? De dor. O sofrimento cria.»
 
«Todos somos construtores. De terra e de emoção andamos pelo mundo a amassar estátuas; de realidade e de sonho arquitectamos as figuras que se misturam na nossa vida. Elas existem mais pelo que lhes damos de nós mesmos do que pelo que na realidade são.»
 

 


 

Húmus  (1917)

Húmus
Capa da edição de 1998

 
«Há sonhos humildes que ninguém quer sonhar.»

«O mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz?
O mundo é um sonho sem um segundo de paz.»


«Felizmente não vemos senão os detalhes. Se alguém pudesse encarar uma alma até às maiores profundidades, e ver ao mesmo tempo de que ternura, de que ânsia, de que desespero e de que tempestades essa alma é capaz, nunca mais podia desviar os olhos desse espectáculo. Fosse ela a minha alma ou a tua alma.
Era o mundo todo, era o universo. Era Deus.»

 


 

A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore  (1926)
 

«Valia a pena determo-nos a olhar a vida, tingida de névoa azul como certas paisagens que só são belas de longe — a vida como nunca mais nos será dado vê-la.»
 
«Quando se morre, o que se debate ainda dentro de nós com fúria é a quimera. O que me custa a deixar não é o corpo, é a alma inquieta.»
 

 


 

As Ilhas Desconhecidas
Capa da edição de 1999

As Ilhas Desconhecidas  (1927)
 
«Está ali — está ali presente toda a noite que não tem fim. Nós bem fingimos que não vemos a solidão trágica, o negrume trágico, mas eu tenho-o toda a noite ao pé de mim.»
 
«Nunca mais me esqueceu a manhã virginal da Madeira, e as cores que iam do cinzento ao doirado, do doirado ao azul índigo — nem a montanha entreaberta saindo do mar diante de mim, a escorrer azul e verde…»
 

 


 

Jesus Cristo em Lisboa
Capa da edição de 1988

Jesus Cristo em Lisboa  (1927)

Obra escrita em colaboração com o escritor Teixeira de Pascoaes.

 

«A missão do homem não é descer; é subir, é criar uma alma.»

«Ai dos que têm olhos e não vêem! Encontro, no mundo, a mesma cegueira de outrora, as mesmas trevas.»
 
 

 


 

Portugal Pequenino
Capa da edição de 1991

Portugal Pequenino  (1930)

Obra escrita em colaboração com a sua esposa, Maria Angelina Brandão.

 

«Um fio azul estremece, e logo a cortina vaporosa se descerra…
Luz a jorros e o mar ondula como um véu diáfano, só poeira verde que desmaia toda arrepiada. Fios de algas boiam ao sabor da onda e um bando de toninhas salta perseguindo a manta da sardinha.»

 

 
 
 

Share your thoughts

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.